Em janeiro de 1978, ocorria uma caça a um dos mais notórios serial killers da história dos Estados Unidos. Ted Bundy estava preso em uma pequena cadeia em Glenwood Springs, Colorado, enquanto aguardava julgamento pelo assassinato de Caryn Campbell. Ele escapou serrando uma placa de metal no teto, rastejando por um espaço sobre a cela e saindo pelo apartamento do carcereiro, que estava fora naquela noite.
O serial killer Ted Bundy inspirou um filme com seu nome
Após viajar por Illinois, Michigan e EGeórgia, Bundy chegou em Tallahassee, Flórida. Em 15 de janeiro de 1978, ele entrou na associação de mulheres Chi Omega, na Universidade do Estado da Flórida. Ele agrediu quatro alunas com um bastão e as estrangulou. Lisa Levy e Margaret Bowman morreram. Bundy também estuprou Levy e a mordeu, deixando marcas evidentes.
Bundy foi recapturado em fevereiro de 1978 e depois julgado pelos assassinatos cometidos na casa Chi Omega. A marca de mordida foi a única prova física deixada na cena. Os investigadores fizeram moldes de gesso dos dentes de Bundy e isso mostrou que eram dentes desalinhados e vários deles estavam lascados. Um dentista forense conseguiu mostrar que esses moldes se igualavam às fotografias das marcas de mordidas no corpo de Lisa Levy. Essa prova foi útil para sua condenação; se Bundy não tivesse mordido Lisa durante o ataque, ele talvez nunca fosse condenado.
Odontologia forense na História
Um dos primeiros exemplos de odontologia forense envolve Agripina, a mãe do imperador romano Nero. Em 49 a.C. Agripina ordenou a morte de sua rival, Lolia Paulina, que competia com ela para se tornar a esposa do Imperador Claudius. Agripina exigiu ver a cabeça de Lolia Paulina como prova de sua morte, mas ela não teve certeza até notar a descoloração característica nos dentes da rival.
Outra incursão famosa da odontologia forense foi a de Paul Revere, que além de ser um ferreiro, também era dentista. Através das arcadas dentárias, ele ajudou a identificar mortos da Revolução Americana enterrados nos campos de batalha. Revere identificou o Dr. Joseph Warren, o homem que o havia enviado em uma famosa cavalgada, porque ele havia feito uma prótese parcial com arame de prata e pedaços de presa de hipopótamo.
O caso Bundy foi apenas um exemplo de como nossos dentes podem nos identificar. Dentistas Forenses (também conhecidos como odontologistas forenses) têm duas tarefas diferentes: identificar os mortos pelos dentes e determinar quem (ou o que) deu as mordidas quando as marcas são encontradas. Vamos começar pelo sistema usado por todos os dentistas para distinguir um dente do outro.
Tipos de dentes
Os dentes não são impressões digitais, pois não são únicos desde o nascimento. Quando crescem, ou irrompem, eles o fazem de modo diferente em cada pessoa. Os dentes crescem em média 4 micrômetros por dia, então é possível atribuir uma idade estimada baseada neles. Também é possível distinguir certas etnias, já que alguns asiáticos e nativos americanos possuem incisivos com as partes posteriores cavadas.
Os padrões da arcada também podem mudar com o tempo. Além de identificar as pessoas pelos seus dentes, é possível também aprender muito sobre o estilo de vida e hábitos pelo estado da arcada dentária.
Apesar de cada dente ter um nome diferente, nós temos vários de cada tipo. Por exemplo, uma arcada adulta inclui dois incisivos centrais superiores e dois incisivos laterais superiores. Logo, cada dente precisa de uma designação individual. Há vários métodos em uso para nomear os dentes, mas os três mais populares são o Sistema Universal, o Método Palmer e a anotação da FDI (Federação Dentária Internacional).
Nos Estados Unidos, a maioria dos dentistas usa o Sistema Universal. Neste sistema, cada um dos 32 dentes adultos possui um número. O número um é o terceiro molar superior direito, enquanto o número 32 é o terceiro molar inferior direito. Os 20 decícuos, ou dentes de leite, são designados pelas letras de A a K ou pela combinação número-letra de 1d até 20d.
Alguns dentes, como os molares, têm superfícies múltiplas. Cada uma dessas superfícies tem um nome. O centro do dente é a superfície de mordida, conhecida como oclusal. Essa superfície tem dois elementos: as cúspides, ou saliências, e os ranhuras, ou sulcos. A superfície mesial do dente é voltada para frente da boca, enquanto a superfície distal é voltada para trás. O lado voltado para dentro da boca é a superfície palatal na mandíbula superior (lingual na mandíbula inferior). A superfície do dente voltada para a bochecha é a bucal. Então, se você fizer uma obturação no distal do número 15, você saberá que isso significa a superfície voltada para a parte de trás da boca no seu segundo molar superior (ou molar dos 12 anos).
Quando você vai ao dentista fazer um check-up, ele usa uma tabela do Sistema Universal e faz uma anotação de cada dente para mostrar variações, como lascas, e intervenções dentárias, como obturações, coroas e pontes. O dentista também inclui observações sobre a saúde dos dentes, como gengivas recuadas, ou sinais de doenças periodontais. A maioria das consultas envolve o uso de raios-X, que também podem mostrar intervenções difíceis de perceber, como canais.
Na próxima seção, veremos como os dentistas forenses usam esses registros na identificação dos dentes.
Identificação dos dentes
Não existem bancos de dados de dentes como os bancos de dados de impressões digitais ou DNA, então, os registros dentários são o modo como os dentistas forenses identificam os mortos. O esmalte do dente (a camada exterior) é mais dura do que qualquer outra substância do corpo humano, por isso os dentes permanecem mesmo depois de todas as outras partes se decomporem. As vítimas de incêndios são freqüentemente identificadas pela arcada dentária, que pode resistir a temperaturas acima de 1.093°C. Dentes expostos a calor muito intenso tornam-se frágeis e podem encolher, mas eles podem ser preservados com verniz e usados para identificação, desde que manuseados cuidadosamente. Intervenções como próteses parciais ou coroas de ouro deformam com o fogo, mas ainda podem ajudar na identificação.
©iStockphoto.com/Valentin Casarsa
A identificação pela arcada dentária depende do registro do dentista da pessoa morta
Para identificar uma pessoa pelos dentes, o dentista forense deve possuir um registro do dentista da pessoa morta. No caso de um incidente envolvendo muitas mortes, os dentistas forenses recebem uma lista de possíveis indivíduos e comparam registros para achar combinações. O exame de dentes em corpos intactos geralmente exige que se trabalhe em um necrotério para expor as mandíbulas cirurgicamente. Mesmo com apenas alguns dentes disponíveis, um dentista forense ainda pode fazer identificações positivas. As melhores comparações vêm de raios-X, mas mesmo sem isso, as anotações do dentista podem dizer se os dentes são os mesmos.
©iStockphoto.com/Günay Mutlu
Os raios-X são o melhor modo de fazer combinações na odontologia forense
A identificação de indivíduos sem registros dentários é muito mais difícil. No entanto, dentes quebrados ou faltando e coroas de ouro podem ser reconhecidas por amigos e membros da família do falecido. Pode-se determinar coisas sobre o estilo de vida da pessoa através de seus dentes: um fumante assíduo de cachimbo ou um tocador de gaita de foles possuem padrões distintos na disposição dos dentes. Costureiras e alfaiates, que geralmente colocam pinos e agulhas na boca, podem ter dentes lascados.
Além dos registros dentários, os investigadores forenses podem reaver amostras de DNA extraindo a polpa do centro dos dentes. Diferente do esmalte, a polpa pode ser danificada pelo fogo e outras condições, mas também pode durar por centenas de anos. A identificação por dentes é geralmente um último recurso e nem sempre é possível – algumas pessoas simplesmente não podem ser identificadas.
Os dentes e a peste negra
Os dentes têm sido usados para responder questões históricas, além de identificar vítimas. Durante anos, os cientistas e historiadores tentaram descobrir se os ataques de peste bubônica durante a Idade Média eram realmente causados pela bactériaYersinia pestis. A polpa era extraída dos dentes das pessoas supostamente vitimadas pela peste e o DNA era testado para detectar a presença da Y. pestis. Apesar de terem sido encontradas em alguns dos dentes, nem todas as supostas vítimas da peste tinham a bactéria. No fim das contas, algumas dessas pessoas haviam morrido de outras doenças.
Análise de mordidas
Apesar de o julgamento dos assassinatos Chi Omega ter tido a marca de mordida como peça central, geralmente esse tipo de prova é usada em conjunto com outras provas físicas. A análise de marcas de mordida é algo extremamente complexo, com muitos fatores envolvidos na habilidade do dentista forense de determinar a identidade do autor da mordida.
©iStockphoto.com/Stefan Klein
Marcas de mordida são traiçoeiras porque envolvem mais do que os dentes. O tempo pode afetar as marcas, assim como o movimento e a pressão.
O movimento da mandíbula e da língua no ato da mordida contribui para o tipo de marca deixada. Dependendo do local, não é comum achar marcas onde os dentes superiores e inferiores deixaram impressões evidentes – geralmente um é mais visível que o outro. Se a vítima estiver se movendo, a marca deixada é diferente daquela sofrida por uma vítima parada.
Se o investigador vê algo semelhante a uma mordida na vítima, o dentista forense deve ser chamado imediatamente, porque essas marcas mudam significativamente durante o tempo. Por exemplo, se a vítima está morta, a pele pode se mover com a decomposição do corpo, fazendo com que a marca se desloque.
O primeiro passo na análise da mordida é identificá-la como humana. Dentes de animais são muito diferentes dos dentes dos humanos, então os padrões das marcas são distintos. Depois, a marca é esfregada com um cotonete para coletar DNA, que pode ter sido deixado na saliva do agressor. É preciso também determinar se a mordida foi auto-infligida.
Então, os dentistas forenses medem cada marca e fazem registros. Eles também solicitam muitas fotografias por causa da mudança natural das marcas. Hematomas podem aparecer quatro horas após a mordida e desaparecem após 36 horas. Se a vítima estiver morta, o dentista talvez tenha de esperar até que o estágio de lividez, ou parada do sangue, clareie e torne os detalhes visíveis. As fotos das mordidas devem ser tiradas com precisão, usando réguas e outras escalas para descrever a orientação, profundidade e tamanho da mordida. As fotos são, então, ampliadas, realçadas e as distorções corrigidas.
Finalmente, as marcas nas vítimas mortas são cortadas e retiradas da pele no necrotério e preservadas em um composto chamado formalina, que contém formaldeído. Só então os dentistas forenses podem fazer um molde de silicone da mordida.
São usados vários termos diferentes para descrever o tipo de marca:
- Abrasão – um arranhão na pele
- Artefato – quando uma parte do corpo, como o lobo da orelha, é removido com a mordida
- Avulsão – mordida resultando na remoção da pele
- Contusão – um hematoma
- Hemorragia – uma mordida com sangramento profuso
- Incisão – um ferimento limpo, nítido
- Laceração – um ferimento perfurante
Além do mais, há vários tipos de impressões que podem ser deixados pelos dentes, dependendo da pressão aplicada por quem morde. Uma impressãoevidente significa que houve certa pressão, uma mordida óbvia significa pressão média; e uma impressão notável significa que a mordida foi feita com pressão violenta.
Um dentista forense pode descobrir muitas coisas sobre os dentes do mordedor baseando-se na marca deixada. Se houver um espaço vazio, a pessoa provavelmente não tem um dente. Dentes tortos deixam impressões tortas e dentes lascados deixam impressões irregulares e de profundidades variadas. Aparelhos e próteses também deixam impressões distintas.
Quando os investigadores identificam um suspeito, eles obtêm um mandado para fazer um molde dos dentes assim como fotos da boca em vários estágios de abertura e mordidas. Eles comparam as transparências do molde com o molde de gesso da mordida, e as fotos das marcas e os dentes do suspeito são comparados à procura de similaridades.
As análises de marcas de mordidas apareceram em noticiários recentes por sua natureza controversa. Veremos alguns desses casos em seguida.
Controvérsia da análise de mordidas
Em janeiro de 2007, o prisoneiro Roy Brown, condenado por assassinato em Nova York em 1992, foi solto. Brown foi um dos muitos prisoneiros liberados após análises de DNA os inocentarem de seus crimes, já que não eram disponíveis ou amplamente usadas durante julgamentos. No caso de Brown, a análise de marcas de mordida colaborou para sua condenação, mas o DNA da saliva deixada na marca indicou um suspeito diferente. Então, o que deu errado?
A marca de mordida no caso Brown mostrou seis impressões dos dentes frontais da mandíbula superior, embora ele não tivesse dois dentes na época. O perito testemunhou afirmando que Brown poderia ter mexido a pele da vítima enquanto mordia para fazer parecer que ele não tinha nenhum dente faltando. Apesar de seu testemunho não ter sido a única prova usada na acusação, ela contribuiu para que os jurados o considerassem culpado.
Apenas cinco anos antes, um homem do Arizona chamado Ray Krone foi solto após 10 anos cumprindo pena por assassinato. A testemunha de acusação afirmou que seus dentes e a marca de mordida achada na vítima se igualavam. A testemunha afirmou que eram “100 por cento iguais” [fonte: New Scientist]. Krone foi inocentado após o DNA de outro suspeito ter sido achado nas roupas da vítima.
©iStockphoto.com/Hans Laubel
Marcas de mordida não são como impressões digitais e DNA – elas não revelam com toda certeza quem fez a mordida
Casos como esses levaram os críticos a especular sobre a natureza das análises de marcas de mordida. Ao invés de fazer deduções a mais com base na marca da mordida, os dentistas forenses geralmente recebem várias informações sobre o suspeito antes de realizar suas análises. Isso pode fazer com que procurem provas inexistentes, apenas para preencher suas necessidades. Além do mais, os dentistas forenses podem dar aos jurados a impressão de que as marcas de mordidas são tão únicas quanto impressões digitais ou DNA, e não são. Apesar da afirmação da testemunha do caso Krone, não há provas para se responsabilizar um indivíduo por uma mordida com total certeza.
Hoje, alguns críticos acham que as análises de mordidas devem ser usadas apenas para eliminar, e não identificar suspeitos. Outros dizem que é aceitável afirmar a probabilidade de um suspeito ter criado a marca, mas é importante esclarecer que as marcas de mordida não podem ser a única coisa a ligar os suspeitos ao crime. O treinamento de dentistas forenses, assim como informar apropriadamente os jurados, também são fatores para não culpar um suspeito com apenas essa prova.
Após a exoneração de Brown, o chefe de odontologia forense, Richard Souviron, do Escritório de Exames Médicos de Miami-Dade, disse ao New York Times que “se você diz que uma marca só pode pertencer a uma pessoa no mundo inteiro e a ninguém mais, e você usa essa marca como a única prova para ligar um criminoso à sua vítima, então isso não é ciência, isso é lixo”. [fonte: New York Times]. Anthony Cardoza, co-autor de uma pesquisa de 1999 que mostra a confiabilidade das análises de marcas de mordida em condições específicas, admitiu: “a melhor marca de mordida é aquela que pode ser esfregada com um cotonete para procurar DNA”. [fonte: New Scientist].
Como tornar-se um dentista forense
Nos Estados Unidos, muitos dentistas forenses são certificados pelo Conselho Americano de Odontologia Forense. Há uma longa lista de qualificações para se obter essa certificação, incluindo.
- Curso completo em escola aprovada, tal como o Instituto de Patologia das Forças Armadas ou a Escola de Odontologia da Universidade do Texas, em San Antonio;
- Estar presente e participar das reuniões de organizações nacionais relacionadas à atividades forenses ou odontologia forense;
- Trabalhar com um legista, gabinete de exames médicos ou polícia por ao menos dois anos;
- Trabalhar em ao menos 25 casos de odontologia forense, incluindo 15 casos de identificação positiva e dois casos de marcas de mordidas.
Fonte: http://pessoas.hsw.uol.com.br/odontologia-forense.htm